27 fevereiro, 2012

Carta

Com você, me senti como aqueles dois do Caio, deixando os infelizes serem infelizes sozinhos, me senti como Jesse encontrando Celine no vagão de um trem em seu último dia na Europa, depois de vagar solitário por uma semana, me senti como Romeu encontrando Julieta falando consigo mesma, dominado por sua voz, desejando-a com a desvairada certeza dos apaixonados que decidem se casar após uma única noite juntos.

Lembro que fui impelido a dançar com você, completamente magnetizado, mas não sei bem quem tomou a iniciativa do beijo, hoje me parece que simplesmente aconteceu, como algo que deveria acontecer; nossas bocas se portaram apenas como olhos resignados que não perguntam nada, nossos dedos se encaixaram bem e nossos pés dispensaram os traços que ensinam a dança. A noite fluiu como a maré acompanha a lua: naturalmente.

Vi por aí que você é a rainha do desapego, e eu, pelo contrário, sempre sobrevivi de paixões e afeições, vivendo a infinitude de cada momento, acabei por trair a mim mesmo, quis afastar você de mim, falei que só queria sexo (mentira absurda), me neguei a prolongar aquela noite, deixei você ir embora e como um autômato caminhei em direção oposta a sua em busca do primeiro táxi que me arrastasse pra longe dali. na manhã seguinte daquela única noite tentava entender como, no ocaso de carnaval, vagando a esmo, encontrei você, a mulher, e procurei entender porque, numa atitude inconsciente e desventurada, simplesmente deixei você pra trás e fui embora. meu deus, eu que sou ateu, clamei por uma explicação! Sou ateu, mas politeísta, e mesmo tomado por sentimentos de arrependimento e raiva, agradeci por contrição aos deuses supremos: o deus caos e a deusa sorte, amantes e pais do destino e do acaso. Agradeci pois, em meio à obra do caos, a sorte, que não tem sido muito benevolente com a minha pessoa, por conceber nosso encontro.

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